Manhã de domingo. Está muito frio e os poucos que atravessam o Largo da Oliveira fazem-no em passo apressado, saco de compras pela mão. Turistas, quase nenhuns, neste local que alberga a Igreja da Senhora da Oliveira, o Padrão do Salado e a antiga sede dos Paços do Concelho. Num café, alguns tomam bebidas quentes, como o tempo aconselha. Um deles é João Rosmaninho Duarte Silva. Veio de Vila Nova de Milfontes para estudar arquitectura no pólo vimaranense da Universidade do Minho, onde hoje é docente - dá aulas de Projecto e de Teoria da Arquitectura. Para ele o centro histórico é do melhor que a cidade tem: «É-me muito caro, único no país, e especial, mesmo relativamente ao que se vê lá fora.» Destaca uma característica «invulgarmente moderna», o facto de a passagem de uma praça para outra - do Largo da Oliveira para a de Santiago - ser feita através das arcadas de um edifício. Agradam-lhe, ainda, as soluções encontradas para a recuperação e preservação do conjunto que em 2001 viria a ser classificado pela UNESCO: «Foram muito para além das fachadas e cuidaram da estrutura interna dos edifícios. Demorou mais tempo, mas foi melhor.» João Rosmaninho Duarte Silva viveu um ano em Itália e compara Guimarães a Siena, também antiga, onde a pedra predomina igualmente. Pese a diferença de escalas entre a Piazza del Campo e o Largo da Oliveira, «as duas cidades convergem para a praça, o espaço público».
À urbe minhota «falta o mar, a linha do horizonte plana que nos transmite calma. Aqui, ao contrário, temos o monte da Penha». Isso torna a cidade fechada, alimenta um sentimento conservador? À entrada de cada igreja, entre os horários das missas e das confissões, os anúncios das campanhas do «não», no referendo ao aborto... Apesar de os cartazes de cinema, num dos bares do centro, trazerem uns grãos de cosmopolitismo, permanece o mito salazarista da terra aninhada à sombra do castelo e do Paço dos Duques de Bragança - ambos refeitos e o último quase inventado graças às campanhas dos Monumentos Nacionais (década de 40). O arquitecto alentejano que ouvimos à mesa do café não acha negativo o bairrismo forte dos locais. Seja a defender a sua cidade com unhas e dentes, seja o seu clube, o Vitória, apesar da descida à Liga de Honra, o orgulho vimaranense mostra-se nas bandeiras de rua, estampa-se nos adolescentes que, ao início da noite, o EXPRESSO encontrará à porta do Pavilhão Multiusos. À espera do concerto dos 4Taste, enfrentam o frio da noite com blusas leves, uma delas a ostentar o emblema do clube com a imagem estilizada de D. Afonso Henriques, símbolo da cidade-berço. Este bairrismo parece, às vezes, «doentio e bacoco», reconhece Rosa Saavedra, responsável pelo Serviço Educativo do Museu Alberto Sampaio (MAS). Nascida e criada em Guimarães, devota de Nossa Senhora de Oliveira, recorda-se da vinda acidentada de José Hermano Saraiva à Sociedade Martins Sarmento, «para fazer uma conferência sobre o foral de D. Manuel I». Só que nesses idos de Março de 1990 as pessoas lembravam-se do Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, coordenado pelo historiador, e que incluía um artigo do catedrático Torquato de Sousa Soares, onde este afirmava que o primeiro rei português nascera em Coimbra. «Caiu o Carmo e a Trindade», lembra Rosa Saavedra. À conferência de Hermano Saraiva compareceu a cidade em peso, «desde o engraxador do Toural ao próprio Mesquita Machado, então presidente do Vitória, com alguns jogadores». Veio reforço policial e o professor lá acalmou os ânimos ofendidos... Entretanto, a polémica acerca do local de nascimento de D. Afonso Henriques prossegue no meio historiográfico.
Mitos à parte, a Guimarães de hoje pode gabar-se da sua magnífica oferta cultural e de lazer. Como no Museu Alberto Sampaio, com um espólio e espaço magníficos e forte actividade, graças ao dinamismo da directora, Isabel Maria Fernandes. É o único museu do país que em Julho e Agosto permanece aberto até à meia-noite. Vem restaurando o seu espólio com o apoio da comunidade vimaranense (incluindo mecenas privados, como Freitas do Amaral) e multiplica-se em actividades educativas, desde cursos de xadrez a visitas temáticas para os meninos - o EXPRESSO encontrou-os a fazerem presépios em pasta de cerâmica.
E há o museu da Sociedade Martins Sarmento, com o seu espólio arqueológico e, mais recentemente, o Centro Multiusos (para a cultura e o desporto) e o extraordinário Centro Cultural Vila Flor (CCVF). Dotado de dois belos auditórios, restaurantes, salas de reuniões, área de exposições e café-concerto, o centro faz uma ligação harmoniosa entre o palácio setecentista que lhe deu o nome e o projecto arquitectónico actual, e põe na sombra muitos equipamentos das metrópoles maiores. O EXPRESSO encontrou no Café-Concerto o grupo Mantra, que se preparava para actuar: «As bandas de cá querem ir aos palcos de Lisboa e do Porto, as dessas cidades querem vir tocar cá porque, dizem, têm outras condições», afirma a vocalista Ana Freitas. Comentários, é preciso?